Caros amigos seguidores da Academia do Conhecimento,
O recente impeachment-Golpe do presidente Fernando Lugo é assunto importante da imprensa, mais importante até que a Rio+20, após seus pífios resultados. Lembrei-me então de um artigo de anos atrás que publiquei em um jornal universitário do Rio de Janeiro, tratando da sexualidade entre religiosos, de forma especial os problemas sexuais que Fernando Lugo vinha atravessando naquela época. Ocorreu uma súbita idéia, quase uma fantasia: será que o desempenho sexual do bispo-presidente teria, além de suas posições mais à esquerda, influenciado os conservadores que o destituíram do poder? Nessas trocas de poder súbito sempre existem "forças ocultas" como disse um ex-presidente brasileiro....
QUE
PODE UMA CRIATURA
Que pode uma criatura senão,
entre outras criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Carlos
Drummond de Andrade.
A
denúncia de um envolvimento sexual e paternidade do presidente do Paraguai
Fernando Lugo causou grande surpresa e reprovação. Foi o Fruto de um
relacionamento amoroso ocorrido quando ainda era bispo da igreja católica no
departamento de S. Pedro. Logo
depois Lugo reconheceu o
envolvimento e a paternidade de um menino de dois anos. Posteriormente houve
pedido de paternidade para diversas outras crianças, não reconhecidas pelo governante.
A
espinhosa questão despertou reações mistas na opinião pública e autoridades, de
um lado reprovação enérgica, de outro lado, compreensão e mesmo elogios à
sinceridade do ex-bispo na admissão de fatos tão difíceis para ele, a principal
figura pública do país. Lugo viu-se frente a uma perda de prestígio inesperada.
Em sua recente visita ao Brasil comentou-se que o visitante necessitava de uma
vitória significativa nas questões da hidrelétrica de Itaipu para melhorar sua
imagem pública fragilizada.
A
posição de representante religioso do atual presidente paraguaio deve ser
melhor detalhada por ser atualmente objeto de muitas confusões. Não é demais
repetir que Fernando Lugo, logo após tomar posse, tornou-se oficialmente um ex-bispo católico. Foi ordenado sacerdote em agosto de 1977, tendo passado
a bispo em abril de 1979 tornando-se próximo do brasileiro Frei Betto,
admirador de Leonardo Boff e da Teologia da Libertação. Foi designado membro da
Equipe de Reflexão Teológica da Conferência Episcopal Latino-americana - Celam. Em 2004, sem divulgar as razões para tal, a
Igreja o aposentou do cargo provavelmente devido à sua proximidade com a
Teologia da Libertação e à sua militância política. Em dezembro de 2006 Lugo
apresentou sua renúncia à batina para melhor desempenhar seu papel de líder de
oposição e já pensando em concorrer à presidência. O Vaticano se pronunciou
apenas para aconselhar a Lugo que “refletisse melhor” e abandonasse a pretensão
de entrar na política. O fato de ter renunciado á vida religiosa sem consultar à
autoridade eclesiástica e, além disso, manter vida política fez com que
recebesse do Papa Bento XVI uma suspensão a
divinis, isto é, estaria proibido de exercer atividade de sacerdote, embora
continuasse sendo considerado um bispo da Igreja. Posteriormente, quando Lugo
foi eleito presidente, o Vaticano aceitou oficialmente seu pedido de
desvinculação. Essa a posição real do presidente paraguaio frente à autoridade
religiosa e aos seus cargos anteriores.
Procurou-se
em certos relatos tentar inserir a surpreendente revelação do envolvimento de
Fernando Lugo em um contexto da cultura paraguaia. Presidentes anteriores do
país teriam em diversas ocasiões duas ou mais esposas, escapando de uma
estrutura familiar tradicional. Não seria esta questão muito comum na psique
cultural latino-americana em geral, inclusive no nosso Brasil? É bastante
sabido- mas não muito comentado- que um conhecido político brasileiro de grande
poder no passado e ainda hoje, tem duas esposas, duas famílias mesmo. Como
costuma acontecer nesses casos, uma esposa é mais oficial, de classe social
mais elevada, assumida publicamente, a outra aparecendo menos.
Parece
também, sem afastar a gravidade da situação de Fernando Lugo, que sua posição
de progressista e questionador das forças dominantes pode favorecer uma
exploração política de sua situação transitoriamente frágil.
A
questão da experiência religiosa frente à sexualidade acompanha a raça humana
desde tempos antigos, nas mais diversas culturas. Até mesmo em culturas
diferentes do ocidente cristão o problema se coloca. Na antiga Índia de
tradição védica há a idéia de que ciclo de vida humana tem a fase mundana, do
casamento, filhos, realização material e só na fase tardia, o sanyasi (asceta) se retira para a
floresta para meditar e procurar Deus. A história do povo de Israel revela com
freqüência mulheres eróticas perturbando e seduzindo reis-heróis israelitas,
como a filha do faraó e José, Betsabá e Davi, Dalila e Sansão. Essa freqüente
ambigüidade da atração erótica e do perigo para profetas espirituais é uma
constante na história humana. É como se o instinto sexual devesse ser contido
ou transformado de alguma forma para haver uma genuína experiência religiosa.
Diversas
ordens religiosas (mas não todas) proíbem aos seus membros serem casados. O
protestantismo permite e aconselha mesmo o casamento entre seus pastores. O
matrimônio é visto mesmo como uma instituição ordenadora da libido, mantendo o
instinto dentro de limites socialmente organizados.
Essa
organização parece realmente ser benéfica para os crentes e para os sacerdotes.
As questões sexuais repetidas envolvendo autoridades conhecidas da igreja com
sexualidade nos levam a refletir. (Penso nesse momento nos diversos casos de
envolvimento sexual de padres com crianças,
entre os quais os da comunidade de Boston).
Na
verdade Eros é um Daimon poderoso,
como sentenciou Diotima no diálogo O
Banquete, de Platão. Platão sugere que o Eros instintivo se transforme em phylia (o amor para a comunidade) e esse
chegue à filo-sofia, o amor ao
conhecimento. Serão essas metamorfoses possíveis ou mesmo desejáveis? No mesmo
diálogo é relatado o mito do nascimento
de Eros: Ele é filho de Pobreza (Pénya) e Recurso (Póros). Quando Eros nasce em nós, descobrimos que estamos pobres de algo mais que nos complete e
encontramos sempre um recurso para
alcançar vivências dessa completude. Será lícito enjaular ou encapsular a
necessidade fundamental expressa pela sexualidade humana em uma instituição
religiosa, por mais nobre que seja?
Walter BOECHAT
Médico,
Diplomado pelo Instituto C.G.Jung Zurich, Suíça, Doutor em saúde coletiva pelo
Instituto de Medicina Social / UERJ, Membro-Fundador e Ex-Presidente da
Associação Junguiana do Brasil- AJB.
Autor de: Mitopoese da Psique. Mito e Individuação. Vozes, 2ª Ed. 2009. Responsável pela revisão da tradução para o português para a edição brasileira do Livro Vermelho, de C. G. Jung, da Editora Vozes.
CONTATO:
walter.boechat@Gmail.com
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