sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A publicação do Livro Vermelho de C. G. Jung


Acaba de ser publicado o tão esperado Livro Vermelho, ou Liber Novus, como o chamou Jung. O livro terminou de ser escrito por volta de 1930 e na época o autor optou por não divulgá-lo devido ao seu caráter extremamente pessoal. Mesmo depois da morte de Jung, em 1961, sua família preferiu manter o livro oculto ao público em geral. Mas agora, depois de mais de dez anos de negociações e preparo, o livro foi lançado com grande sucesso no mundo inteiro.

Pode-se perceber grandes influências na composição do Livro Vermelho: o Zaratustra de Nietzsche, a Divina Comédia, de Dante Allighieri, o Fausto de Goethe. Todas as grandes obras da tradição ocidental compõe o universo cultural de Jung e o influenciaram de certa forma. Mas o Liber Novus é novo e originalíssimo em sua forma, na maneira de sua apresentação e também em conteúdo. Enquanto Nietzsche apregoou a morte de Deus, uma nova ética, a transvaloração de todos os valores, o Livro Vermelho traz a novidade do renascimento do Deus interior, da experiência pessoal do transcendente pela transcendência mesma das instituições. Enquanto Dante Alligieri realiza uma viagem interior de aprofundamento, personificando em Virgílio um guia para o mundo dos mortos, Jung tem múltiplos guias, sendo o mago Philemon é o maior de todos, aquele que centraliza o conhecimento intuitivo transcendente.

O livro tem começo em dezembro de 1913. Jung tem uma visão enquanto viajava para visitar uma parente em cidade próxima a Zurique. Vê toda a Europa coberta de um mar de sangue, com milhares de cadáveres boiando, do norte até a região sul. É uma visão terrível que se repetiu como um aterrorizador sonho acordado. Jung relatou essa visão em seu livro de memórias, dizendo que sentiu uma necessidade premente de compreender o sentido dela. De início pensou que ele próprio, Jung, estava sofrendo uma grave crise psíquica e que aquela visão dizia respeito talvez até a uma doença mental iminente. Só quando pouco tempo depois a Europa mergulhou na primeira grande guerra (1914-1918) com seus incontáveis mortos e o profundo sofrimento para milhões, pode compreender o sentido antecipatório de sua visão. Mas tornou-se claro para ele que as poderosas imagens que se desenrolaram a partir daí em fluxo caudaloso em fantasias e sonhos, falavam também de algo interno, uma profunda transformação interior. Todos essas mudanças interiores aconteciam paralelamente às dolorosas mudanças da cultura européia e mundial.

Em sua vida particular, Jung atravessava um período de mudanças radicais. Havia rompido com Freud afastava-se do movimento psicanalítico que se afirmava gradualmente em toda a Europa. Tendo sido o primeiro presidente da Associação Internacional de Psicanálise (IPA) e tendo colaborado intensamente para o seu desenvolvimento, rompia com a instituição. Aos trinta e oito anos, atravessava então uma típica crise de metade de vida, como ele próprio viria a chamar depois, período da vida marcado por intensas mudanças interiores.

Mas sou de opinião que é um erro considerar o Liber Novus um produto dessa crise de meia idade, dessa entrada na maturidade de Jung. Ao contrário, o Livro Vermelho faz parte de um brotamento espontâneo criativo que o acompanhou desde sua infância. Podemos acompanhar todo esse desenvolvimento criativo através dos sonhos e fantasias do menino e do jovem Carl Jung relatadas em seu fascinante livro Memórias, Sonhos e Reflexões (Ed. Nova Fronteira).

Walter Boechat
Analista Junguiano. Escritor.
Responsável pela revisão técnica na tradução para o português do Livro Vermelho de C. G. Jung para a edição brasileira da Editora Vozes.
Supervisor Técnico da coleção Reflexões Junguianas da Editora Vozes.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

O drama no cinema.

Discutia no Facebook com meu jovem amigo Ponzi sobre o filme “E O Vento levou”. Ele dizia: “Meu Deus !!! Que tragédia grega !!! Nunca vi um filme com mais desgraça que esse. Nem um finalzinho feliz pra melhorar”.

Quando argumentei que a vida não é um conto de fadas, e que a literatura e o cinema passam lições da vida como ela é, ele voltou dizendo que “filmes são feitos para sonhar. Sonhar, sim, faz nos afastar da realidade e fazer com que consigamos lidar melhor com a vida como ela é”.

O Ponzi está certo; é bom sonhar, e também gosto de ler histórias com final feliz. Os romances que até hoje escrevi acabam em final feliz. Mas isso não invalida os dramas da literatura e do cinema, que nos preparam para a vida.

Quer um exemplo? Eu tinha 21 anos, estava no auge de minha carreira esportiva, treinando para participar do campeonato brasileiro de vôlei. Seria provavelmente titular da seleção mineira. Tudo azul?. Peguei uma hepatite. Cama. Você consegue imaginar minha frustração? Minha depressão? Em casa, em repouso absoluto, meu divertimento era a leitura. Um dos livros me impactou fortemente: “O Velho e o Mar” de Hemingway.

O livro conta a história de Santiago, um velho pescador em uma maré de pouca sorte. Não teve hepatite, mas não conseguia pegar peixes. Em uma comunidade de pescadores pobres, até sua sobrevivência fica comprometida se você passa 84 dias sem fisgar um único peixe. Até seu jovem ajudante foi proibido pela família de sair com ele. O velho dava azar. Santiago ia pescar, agora sozinho, e nada conseguia. Em uma comunidade pobre, a solidariedade o sustentava. Santiago sobrevivia de favor, e isso feria seu orgulho.

Um dia ele saiu para o mar, resolvido a somente retornar com um peixe, ou morrer no mar. Pegou um peixe enorme, maior que seu barco. O peixe era valente. Lutava. Santiago resistia. Dia, noite, dia, noite. Mãos em carne viva para segurar a corda. Ombros igualmente feridos. Santiago não desistia. Nem o peixe. Há se tivesse o menino ajudante! Nem comida tinha mais. Mas não desistiria. Nunca.

Santiago é vitorioso. Começa o retorno com o maior peixe que jamais vira em toda sua vida. Está muito longe da costa. Quando se sentia vitorioso, com o troféu amarrado ao lado do barco, os tubarões atacam. Outra briga. Dia, noite. Usa o remo, amarra a faca na ponta. Quebra remo, perde faca. Vê seu troféu ser devorado, sem armas para impedir. Chega a praia. Ele, o barco e o esqueleto do maior peixe que jamais vira. Vai dormir. Exausto. Derrotado.

No dia seguinte, enquanto Santiago ainda dorme, os pescadores olham o esqueleto do imenso peixe amarrado ao barco. Admiram. Final infeliz!

A vida é uma luta inglória. A morte sempre ganha. Jesus morreu na cruz. Drama. Tragédia. Mas será que Ele foi derrotado?

Roberto Lima Netto
rlimanetto@hotmail.com

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Você gostaria de conversar com seus demônios?

Jung mostrou que o ego, a parte consciente de nossa psique, não é o rei absoluto da nossa mente. No nosso inconsciente, temos arquétipos e complexos que, quando o ego perde o controle, agem como se possuíssem nossos corpos. Podemos chamá-los, metaforicamente, de nossos demônios, porque, como o mitólogo e grande discípulo de Jung, Joseph Campbell, disse: "Minha definição de demônio é um anjo que não foi reconhecido. Pelo contrário, é um poder que você negou expressão, e você reprimiu. Assim, com toda sua energia reprimida, ele começa a crescer e se torna muito perigoso".


Você gostaria de conversar com seus demônios, compreendê-los e transformá-los emanjos? Usando o método da imaginação ativa, desenvolvido por Jung, você pode. Como?


Inner Work (Trabalho Interior) é um livro de Robert Johnson que eu recomendo  enfaticamente. Ele é um analista junguiano e um escritor prolífico, capaz de transformar alguns dos conceitos complexos de Jung em um livro fácil de entender. O livro está publicado no Brasil.


Eu aprecio a escrita Johnson; já li quase todos os seus livros. Inner Work trata interpretação dos sonhos e da imaginação ativa. Johnson explica imaginação ativa em seu estilo simples e fácil. Somente esta seção, cobrindo metade do livro, seria suficiente para garantir cinco estrelas ao livro, mas os capítulos sobre a interpretação dos sonhos também são excelentes.



Eu prefiro um anjo ao meu lado a um demônio nas costas.

E você? O que você acha?

Roberto Lima Netto rlimanetto@hotmail.com.

domingo, 6 de novembro de 2011

Conhece-te a ti mesmo.

Eu tenho o privilégio de ser um dos amigos de João. Ele era um empresário muito bem sucedido quando jovem, teve um rápido sucesso, ganhou muito dinheiro, mas vendeu sua empresa e mudou-se para o campo, para Tiradentes, a linda cidade histórica, centro cultural que atrai pintores e escultores em busca de uma vida descontraída. João agora dedica seu tempo a seus hobbies: leitura e jardinagem.
A maioria dos seres humanos tem medo da velhice. O tempo transforma as pessoas: umas ficam amargas, e poucas ficam sábias. João é um sábio. Na verdade, ele é o meu modelo para o personagem do Velho Sábio, que aparece com tanta freqüência em meus livros.
Ele é um leitor inveterado. Apoiado pela enorme biblioteca que ele leu, João pode ser visto como uma espécie de filósofo. No outro dia, estava conversando com ele sobre o sentido da vida:
"Você acha que a vida tem um propósito?" Perguntei a ele.
"Quando eu era jovem, um padre me ensinou que nós nascemos para sermos testados. Se formos bons, iremos para o céu.
Cocei a cabeça. Eu esperava uma resposta mais profunda. Iinsisti:
"Ser bom deve ser nosso objetivo de vida?"
"O budismo e o hinduísmo alegam que temos muitas vidas, e nosso propósito é atingir a iluminação. Para isso, temos que nos aperfeiçoar em cada vida.
"Bem, a reencarnação é amplamente aceita no Oriente, e a teoria de que vivemos para aperfeiçoar nossa alma faz sentido para o meu lado racional”. eu disse.
"O problema é que tais questões não podem ser respondidas apenas pelo nosso lado racional”
João era enigmático mesmo. Quando eu já estava concordando com sua idéia, ele trazia uma nova. Ele continuou:
. Quando Jung foi perguntado se ele acreditava em Deus, ele respondeu que não; ele sabia. "
“Não entendi.”
“Acreditar envolve o lado racional. Quando ele disse que sabia, queria dizer que sabia com todo seu ser integral”.
"E você? O que você acha?”
"Jung acreditava que o propósito de nossa vida é aumentar o nível de consciência de cada um. O templo de Apolo em Delfos tem uma inscrição na porta da frente – “Conhece-te a ti mesmo”. Jung acreditava que cada aumento do nível de consciência de qualquer ser humano contribui para aumentar o nível de consciência da humanidade em geral ".
"Porque a consciência é tão importante?"
"Um pobre pescador vivia com sua esposa e cinco filhos. O peixe andava escasso, e eles viviam morrendo de fome. Enterrado sob seu barraco havia um tesouro, lá colocado pelo seu bisavô, mas o pescador não estava consciente disso. Ele é rico ou pobre? "
O que você acha?

Roberto Lima Netto
rlimanetto@hotmail.com
www.robertolimanetto.com.br