quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Erro de Freud – os gênios também erram

Erro de Freud
Dois irmãos – Rio de Janeiro

Meu amigo, Luís César Ebraico, é um excelente psicólogo, grande estudioso de Freud, que leu em alemão, pois encontrou erros na tradução inglesa da qual se originou a portuguesa. Infelizmente, não se interessa por Jung, do qual sou fã incondicional. Bem, ninguém pode ser perfeito.
Luis Cesar aponta um clamoroso erro de Freud (Ler Mais)

sábado, 31 de agosto de 2013

Leonardo Boff e a Morte do Herói



Escrevo logo após participar do XIX Congresso da Associação Internacional de Psicologia Junguiana em Copenhague, Dinamarca, em agosto de 2013. O Congresso contou com a presença de Leonardo Boff, participação muito aplaudida pelos mais de setecentos participantes de todo o mundo. A sua presença no Congresso foi devido à proposta, por sugestão do analista italiano Luigi Zoja e minha, de Leonardo Boff como membro honorário da Associação Internacional de Psicologia Analítica (IAAP). Sua candidatura foi aceita com entusiasmo e sua presença no Congresso em Copenhague foi das mais importantes. O presidente da IAAP (Associação Junguiana Internacional) o americano Joseph Cambray falou da honra que era para a instituição ter Leonardo Boff entre seus quadros como membro honorário. Leonardo Boff discursou lembrando suas relações com a família de C. G. Jung e de sua participação na tradução da obra completa de Jung para o português pela Editora Vozes.

Em diversas ocasiões durante o Congresso pude conversar com Leonardo Boff sobre algumas questões atuais da política internacional, entre elas o tema da arrogância, isto é, a questão da suprema arrogância da espionagem universal a qual estamos submetidos. O tema da arrogância já havia sido abordado por Luigi Zoja em seu livro A história da arrogância, pela editora Axis Mundi, S. Paulo.
Ao tema da arrogância está atrelado outro tema, o problema da morte do herói. O herói vem sempre acompanhado de associações extremamente positivas, um paradigma da virtude e da ação humana exemplar. Isso desde os tempos mais remotos, quando por exemplo o herói sumeriano Gilgamesh acompanhado de seu amigo Enkidu destruiu Humbaba, o monstro guardião das florestas de cedro. Gilgamesh teve seu épico gravado em tabletes cuneiformes, o primeiro registro escrito realizado pela cultura humana. Isso lá se vão quase cinco mil anos. Gilgamesh era chamado o construtor de muralhas. Essas muralhas da cidade fortificada de Uruk  (que  originou o nome de Iraque) podem ser compreendidas em diversos níveis. Naqueles tempos remotos   a construção de uma cidade era algo fundamental, um marco no desenvolvimento da consciência e da cultura. Mas para esse desenvolvimento da consciência pelos atos heróicos a natureza deve ser vencida,   o monstro Humbaba, guardião das florestas de cedro, deve ser morto. A grande Mãe Ishtar lança contra Gilgamesh seu touro e ele também foi aniquilado.
Construção de grandes cidades, destruição da natureza e de florestas, todas essas imagens nos fazem vir a mente os excessos de heroísmo do homem contemporâneo, com suas megalópoles, sua ganância energética e egoísmo. Portanto o modelo heróico tão importante na construção da consciência e da cultura nao tem mais a validade que teve. Na verdade, os próprios gregos antigos perceberam a tendência do herói em cair em onipotencia e a chamaram de hybris, o pecado de um orgulho a ser punido pelos deuses.
Mas o homem moderno está possuído de uma hybris muito especial, fruto da era tecnológica e de suas armadilhas. O que estou chamando de "a morte do herói" na cultura contemporânea deriva disso: da impossibilidade do mito do herói como nos chegou do mundo antigo servir ainda de modelo para o indivíduo ou para a cultura. Para o indivíduo, alguns autores (O junguiano James Hillman, por exemplo) defenderam já a idéia de que há outros modelos que não o mito do herói clássico para orientar o desenvolvimento da consciência. Por exemplo, o brincar e o jogo são formas lúdicas de desenvolvimento da consciência  não necessariamente heróicas. Em antropologia a figura do herói conquistador fica relativizado quando descobrimos que o colonizado é em muitos aspectos superior ao colonizador e tem muito a ensinar a ele.
O homem contemporâneo é chamado para a difícil da tarefa não de vencer os montros da grande deusa, mas conviver com Gaia e seus filhos. Destruir Gaia agora é suicídio para o herói. Perguntado em entrevista qual o mito mais importante para o homem contemporâneo, Joseph Campbell respondeu ser o mito de Gaia. Isso porque toda a cultura humana é uma só, a aldeia global, e somos todos dependentes de Gaia para nossa sobrevivência.
Todas essas ideias sobre a questão fundamental da ecologia estão em sintonia com a cruzada de Leonardo Boff em prol da defesa de Gaia como um fundamento para a sobrevivência da humanidade. No Congresso Junguiano de Copenhague Leonardo Boff projetou um video de grande importância de título: Crise: oportunidade de crescimento. Boff abordou de forma extremamente criativa os perigos do modelo econômico egoísta do homem contemporâneo mostrando com dados estatísticos o esgotamento da mãe-natureza. Partindo dos múltplos significados da palavra crise "risco ou oportunidade" (ideogramas chineses), Kri,"limpeza"(sanscrito) de onde deriva a palavra "crisol", local de purificação das matérias impuras, Boff propõe diversas saídas criativas para o dilema do homem atual. Se a humanidade está mergulhada em grave crise, a oportunidade de transformação e purificação estão também presentes.



Walter Boechat
Copenhague,  agosto de 2013



sábado, 30 de março de 2013

A Sabedoria do Pequeno Príncipe


A Sabedoria do Pequeno Príncipe
Toda obra de arte nasce de uma inspiração vinda do inconsciente que o autor dá forma usando sua mente consciente. Como consequência, o próprio autor pode desconhecer algumas pérolas contidas na sua obra. “O Pequeno Príncipe”, genial livro de Saint-Exupéry, se enquadra neste caso.
Convido-o a conhecer alguns ensinamentos do Pequeno Príncipe:
  1. O Pequeno Príncipe sobre Criatividade
  2. O Pequeno Príncipe sobre Sonhos de Criança
  3. O Pequeno Príncipe sobre Depressão
  4. O Pequeno Príncipe sobre Desistência
  5. O Pequeno Príncipe sobre a Neurose Puer 
  6. O Pequeno Príncipe sobre o Julgamento Próprio
  7. O Pequeno Príncipe sobre Vaidade
  8. O Pequeno Príncipe sobre Consciência
  9. Pequeno Príncipe sobre Amizade
  10. O Pequeno Príncipe sobre o Objetivo da Vida
Roberto Lima Netto, autor de “O Pequeno Príncipe para Gente Grande”.

domingo, 20 de janeiro de 2013


Onde está Deus? Jung, Meister Eckhart e os Sufis

Jung repetidamente afirmava que não era um teólogo, mas um psicólogo empírico. Porém, também afirmava que nossa psique tem uma “função religiosa autêntica”. Como resultado, ele teve que estudar as religiões, não do ponto de vista de um teólogo, mas com os olhos de um psicólogo.
Onde está Deus?

Mitos do Mundo - Hefesto, o filho rejeitado


Mitos do Mundo - Hefesto, o filho rejeitado
Este é o terceiro artigo sobre as lições psicológicas que encontramos nos mitos mundiais. Começamos com uma introdução sobre mitos, falamos de Ícaro e Aquiles  e agora vamos falar sobre Hefesto, o filho rejeitado de Hera. Proximamente, discutiremos o Jardim de Eden..
Os mitos podem aparecem em mais de uma versão. Em um deles, Hefesto não seria filho de Zeus. Hera, com ciúmes porque Zeus gerou Atena em sua coxa, decidiu ter próprio filho, sem ajuda masculina. Talvez isso fez com que o filho nascesse aleijado – incompleto. Hera o rejeitou, jogando-o do alto do Olimpo.
Se na história de Aquiles, tivemos o exemplo do filho amado; aqui temos o rejeitado.

Mitos do Mundo - Aquiles, o filho amado


Mitos do Mundo – Aquiles, o filho amado

Este é o segundo artigo em que discutimos as lições que os mitos trazem. Depois de uma breve introdução, falamos sobre Icaro e agora sobre Aquiles.
Quando você é jovem, especialmente se você foi criado por pais que lhe deram muito amor, você sonha com objetivos elevados para sua vida. Você sonha alto demais e acredita que seus objetivos são alcançáveis. Se os seus pais o adoram, eles inculcam em você essa ideia de que você é quase invencível, que você pode obter o que você quer da vida,

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Mitos do Mundo - Ícaro

Vamos começar a nossa série de discussão sobre mitos mundiais com o tema da arrogância, hubris, uma palavra grega que significa auto-confiança ou orgulho exagerado. Há momentos em nossa vida em que nos sentimos como deuses, pelo menos um semi deus, capaz de tomar riscos bem superiore as nossas capacidades normais. Devemos tomar cuidado! Nosso primeiro mito – Ícaro – vai explicar a razão.
Quer ler mais? Clique aqui

Introdução aos Mitos


Mitos do Mundo Introdução
(Com interpretação junguiana)
Por que mitos, estes simples, às vezes ingênuos contos pode ter sobrevivido por tanto tempo? O que os mantém vivos? Poderíamos suspeitar que a sua sobrevivência pode ser explicada por uma função, uma função importante que eles realizavam e ainda realizam em nossos dias. Se nós suspeitamos isso, estamos certos. Os velhos mitos e contos sobrevivem porque tocam uma corda no nosso inconsciente, e nos ensinam lições de vida.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O Caminho do Guerreiro para a Vida


O Caminho do Guerreiro para a vida


Joseph Campbell disse: “A vida é desprovida de sentido. Você dá sentido a ela. O sentido da vida é aquilo que você atribui a ela. Estar vivo é o sentido.”
Apesar de respeitar muito Joseph Campbell como um dos grandes sábios do século XX, tenho uma opinião diferente quanto ao significado da vida.

domingo, 13 de janeiro de 2013

A Religion of Jesus, not about Jesus


A religion of Jesus

When I was being prepared for first communion, I disagreed with the priest when he said that if a baby died without baptism, he/she could not go to heaven.
I argued: “And if he lived in the interior of Africa with no priest in the region?”.
In a definitive tone of voice, the priest said: “No baptism, no heaven.”
I could not agree with him, and I refuted saying this was an injustice.

Joseph Campbell e o significado da vida


Joseph Campbell disse: “A vida é desprovida de sentido. Você dá sentido a ela. O sentido da vida é aquilo que você atribui a ela. Estar vivo é o sentido.”
Apesar de eu respeitar Joseph Campbell como um dos grandes sábios do século XX, tenho uma opinião diferente quanto ao significado da vida. 

É Jesus Deus? Ou um profeta muito iluminado?

É Jesus Deus? Ou um profeta muito iluminado?

Jesus, quando vivo, nunca disse que era Deus. Os termos Messias (ungido e Filho de Deus eram aplicados naquela época aos reis dos hebreu. O mito de Jesus Deus apareceu na sgunda metade do primeiro século.
Quais as consequencias que essa divergência trás ao cristianismo?

Quer saber mais? Clique aqui.

domingo, 6 de janeiro de 2013

A Igreja do Diabo e o Problema do Mal

Continuando algumas reflexões sobre a natureza do Mal no mundo feitas nesse Blog, venho comentar o delicioso conto de Machado de Assis, "A Igreja do Diabo". O conto mostra nosso maior escritor em grande  forma, demonstrando mais uma vez, que sem a literatura a psicanálise não teria existido... (Sem Shakespeare e Machado, Freud e Jung não poderiam existir...)



A Igreja do Diabo
Reflexões sobre um conto de Machado de Assis
Walter Boechat


A questão da personificação do Mal é tema que ocupa o imaginário de todas as culturas e em todos os tempos. Embora a doutrina agostiniana do summum bonum exclua o mal como tendo uma existência real, persistiram em todas as épocas maneiras de personificar o mal ou o Diabo atestando a todo momento sua existência e atuação. Mesmo porque, se a doutrina do Privatio Boni (i.e, o Mal nada mais sendo do que uma mera privação do Bem) tivesse alguma validade, poderíamos, ao revés, considerar que o Bem não teria existência real, sendo apenas um estado de privação do Mal, este sim, tendo existência real, o Summum Malum...
A personificação do Mal mais conhecida na história das religiões, de forma sistematizada é na religião Persa, onde o princípio divino Ahura Mazda se manifesta como os princípios opostos Ormudz (o Bem) e Arimã (o Mal). A partir da ambivalência maniqueísta a tradição judaico-cristã se estabelece. No antigo testamento, o ambivalente Javé parece por vezes incluir os opostos de Bem e Mal (em seus violentos castigos e punições) e a figura do Diabo não tem ainda a presença tão destacada como no Cristianismo. Mas Satã, quando aparece, o faz sempre como uma figura fora do domínio do divino, o anjo caído, não redimido.
Se do Pater (Deus Pai) emerge o Filius, também dele nasce o Diabolus. Em algumas tradições, como no gnosticismo, o princípio do Mal, Satanael, (Satana-el, Satan de Deus)  é mesmo o  o irmão mais velho do Cristo. Como lembra Jung em seu livro sobre o Dogma da Trindade cristã, o arquétipo dos irmãos já se configura na organização desse par, que mais tarde irá aparecer como Caim e Abel. Trata-se de uma dinâmica ou de uma cena arquetípica.
Em vários domínios do imaginário há como se fosse uma necessidade arquetípica de personificação do Mal. Lembramos com Jung que a personificação é a forma de melhor lidarmos com as emoções. Enquanto a emoção fica não personificada, ela ganha autonomia, desconhecida ela é muito mais ameaçadora. Desde o Liber Novus a questão da personificação é valorizada como fundamental por Jung na abordagem dos conteúdos do inconsciente coletivo. Talvez essa necessidade apotropaica de personificação do Mal esteja por detrás das inumeráveis representações do princípio maligno nos mais variados domínios, não só nas religiões, mas nas artes e na cultura popular. É como se a sombra em suas várias esferas de atuação, a sombra individual, grupal, coletiva e arquetípica se tornasse mais familiar, próxima, e menos desconhecida. Portanto menos ameaçadora.
As inúmeras personificações do Diabo aparecem no Brasil desde o descobrimento, segundo do folclorista Câmara Cascudo. Feiticeiras já o teriam em casa, criando-os como pequeninos homenzinhos em vidros e prontos a servi-las. O Diabo apresentava desde o início metamorfoses animais, bode, porco, morcego ou de acordo com a tradição antiga como mosca, como aquelas que pousavam nos restos animais de sacrifícios antigos aos deuses. Nosso maior folclorista cita uma quantidade enorme de sinonímias depreciativas para o demo, um forma de reduzir-lhe o poder,uma capitis diminutio:
Esmulambado, molambudo, cambito, cão, dedo, figura, bode, capa verde, gato preto, rapaz, tinhoso, capeta, coisa, sujo, maioral, ele, maldito, etc, etc, etc... e anda: encapetado, demo, tição, Dianho. (corruptela de DianusJanus (o deus de dupla face)  e Diana)- (C. Cascudo).
A personificação do Diabo como homem de cor negra, magro, com chifres e rabo ainda é a forma mais usual de aparição. Normalmente não toma a forma de animais associados ao mito Cristão, considerados sagrados, o boi, jumento, ovelha, pomba, galo. Foge das procissões, cruzeiros, benzeções, água benta; pode ser vencido por uma série de ritos propiciatórios.
Ocorrem ainda na tradição oral as famosas estórias do Diabo, vindas em sua maioria da península ibérica. Nessas estórias o Diabo é sempre logrado, vencido. Segundo Câmara Cascudo, na classificação brasileira do conto popular há o ciclo do demônio logrado, o que demonstra a necessidade de diminuição do poder do Mal, como que reassegurando à consciência o poder das forças do Bem sobre o mal.
Portanto, toda essa riqueza de nomes, atribuições, representações estórias e rituais propiciatórios podem ser consideradas a manifestação evidente da existência psicológica do Mal, como quer Jung, o Mal como realidade em si. As representações no folclore, religião e artes são maneiras diversas da cultura lidar com a presença desse importante fator psicológico.
Também na literatura a presença do diabo é constante. A Igreja do Diabo de Machado de Assis é apenas um entre diversas manifestações literárias que elaboram a questão do Mal. O problema do Demônio vai estar presente desde os contos de fada, como no conto coletado pelos irmãos Grimm, Os três cabelos de ouro do diabo, entre diversos outros. Na literatura, além da figura  clássica de Mefistófeles em Goethe, temos o conto O Diabo de Tolstói e o conto de Machado de Assis já citado.
No conto A Igreja do Diabo a maestria de nosso maior escritor fica evidente. Compreendemos porque o escritor Anglo-Indiano Salman Rushdie considerou Machado de Assis um dos maiores autores da literatura mundial e o percussor de Jorge Luis Borges e Gabriel Garcia Marques na literatura da América Latina. Machado relata com sua peculiar elegância que “embora os seus ganhos fossem contínuos e grandes, o Diabo se cansara do papel avulso que exercia desde séculos, sem organização, sem cânones, sem ritual, sem nada”. E decidiu então a fundar sua própria igreja, assim como Deus tinha a sua.
“Vá, pois, uma igreja, concluiu ele. Escritura contra escritura, breviário contra breviário. Terei minha missa,....as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico.”
O Diabo compara as virtudes humanas a mantos de veludo que terminam em franjas de algodão. Propõe-se a puxar essas franjas de algodão de modo a ter o manto de veludo inteiro em sua igreja.
O diabo foi ter com Deus e comunicou-lhe a criação de sua igreja. O conto de Machado desenrola-se então quase como um mosaico antitético das virtudes e vícios humanos. Após anunciar com pompa para a humanidade a criação de sua nova igreja o Diabo com linguagem dúbia e surpreendente jogo de palavras, transforma os tradicionais vícios e os pecados capitais nas mais generosas virtudes.
Assim, “A soberba, a luxúria e a preguiça foram reabilitadas...” a avareza, (o diabo) declarou não ser mais que a mãe da economia...”  “A ira tinha a melhor defesa na existência de Homero; sem o furor de Aquiles não haveria a Ilíada: ‘Musa, canta a cólera de Aquiles, filho de Peleu...” A gula produziu as melhores páginas de Rabellais, virtude tão superior que ninguém se lembra das batalhas do genral romano Lucullo, mas de suas ceias... Foi a gula que o fez imortal...”
“Prometia ainda substituir a vinha do Senhor, expressão metafórica, pela vinha do Diabo, locução direta e verdadeira, pois não faltaria nunca aos seus com os frutos das melhores cepas do mundo...Quanto à inveja, pregou friamente que era a virtude principal, origem de prosperidades infinitas...”
O Diabo chamava o fraude de braço esquerdo do homem, o braço direito era a força, mas não se podia impedir que algumas pessoas fossem canhotas. “Ela não exigia que todos fossem canhotos, não era exclusivista. Que uns fossem canhotos, outros destros, aceitava a todos, só não aceitava que não fossem nada.”
“A demonstração, porém, mais rigorosa e profunda foi a da venalidade... A venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito  superior a todos os direitos. Se tu podes vender tua casa, teu chapéu,.... porque não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé?...”
Demonstrou ainda que o amor ao próximo, como obstáculo grave à nova Instituição, não passava de uma invenção de parasitas e negociantes fracassados.
Passados os anos, o Diabo notou que sua religião alcançara reconhecimento universal em todos os povos. Lançou brados de triunfo, julgando-se vitorioso. Um dia, muitos ano depois, percebeu que muitos de seus fiéis voltavam a praticar as antigas virtudes. Elas eram praticadas às escondidas, pouco a pouco, por partes.
Alguns glutões passaram a comer frugalmente em certos dias, justamente em dias de preceito católico, avaros davam esmolas à noite, em ruas mal iluminadas, os dilapidadores do erário restituíam pequenas quantias, os fraudulentos tornavam-se sinceros e verdadeiros, embora de forma dissimulada.
O Diabo ficou espantadíssimo com a descoberta. Voou ao céu, trêmulo de raiva e pediu uma explicação a Deus, que retrucou: “que queres tu, Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. É a eterna contradição humana”. O conto termina com Deus retomando a metáfora do Diabo para as virtudes como mantos.
A exposição de Machado de Assis sobre a contraposição do Bem e do Mal na natureza humana, como elementos indispensáveis da psique, lembra a noção de opostos complementares que também utiliza no Conto O Alienista: um médico do interior fluminense  coloca no hospício toda uma cidade e ao final, chegando a conclusão que todos são normais, interna-se a si próprio. Patologia e a chamada normalidade como opostos necessários e sempre atuantes. Aqui Bem e Mal como duas faces fundamentais da natureza humana, sempre presentes. Na igreja do Diabo as virtudes aparecem como verdadeiros instintos, pulsões essenciais da natureza humana, necessidades vitais (ou arquetípicas). No domínio do Summum Malum, o Bem aparece como elemento fundamental.
A prática do Bem aparece como verdadeira compulsão, praticada às escondidas no domínio do Summum Malum, na esfera da Igreja do Diabo. Nada mais coerente com a noção junguiana de totalidade e da percepção da imago Dei como um Complexio oppositorum na alma do homem. 
O conto A Igreja do Diabo exprime de forma poética o que Jung elaborou teoricamente nos livros Resposta a Jó e Interpretação do Dogma da Trindade: o Mal como existência essencial ao ser humano, como componente fundamental no destino. Não reconhecê-lo e não dar espaço psicológico a ele é dar a ele poder sobre nossas vidas.

Referências
CAMARA CASCUDO, Luis da. (s/d) Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro.
JUNG, C. G. (1952/2011) Resposta a Jó. OC vol. 11- Petrópolis: Vozes.
_________   (1949/2011) Interpretação psicológica do dogma da trindade. OC vol. 11. Petrópolis: Vozes.
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. (s/d) A igreja do diabo. In: Histórias sem data. Edição eletrônica Kindle.

 Rio de Janeiro, janeiro de 2013
Walter Boechat.




terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Evangelho de Tomé - Provérbio # 3


Evangelho de Tomé - Provérbio # 3
Jesus disse: Se vossos guias vos disserem: ‘o reino está no céu’, então as aves vos precederam; se vos disserem que está no mar, então os peixes vos precederam. Mas o reino está dentro de vós, e também fora de vós. Se vos conhecerdes, sereis conhecidos e sabereis que sois filhos do Pai Vivo. Mas, se não vos conhecerdes, vivereis em pobreza, e vós mesmos sereis essa pobreza.
Dizeres simbólicos podem ter diferentes interpretações, e mais de uma delas pode ser correta. Especialmente em questões complexas, a linguagem simbólica é a única que pode explicar a mensagem.

Uma religião de Jesus, não sobre Jesus


O mundo ocidental está sofrendo porque o mito cristão está envelhecendo e não consegue dar suporte psicológico a nossa sociedade. Porém, sabendo que o mito cristão é sobre Jesus e não de Jesus, quem sabe poderíamos salvar nossa sociedade seguindo Jesus?  Seguindo Jesus o sábio iluminado, o Jesus do Evangelho de Tomé, e esquecendo o Jesus do mito cristão criado por São Paulo, Santo Agostinho e outros?
Querler mais? Clique aqui.

A tragédia de Sandy Hook - Explicação e proposta psic0lógica


Muitas pessoas ao redor do mundo estão tentando explicar essa atitude lamentável que acontece com regularidade indesejável. Sem a pretensão de ter uma resposta, sugiro algumas explicações possíveis.
O que está errado com a nossa sociedade que faz com que esses terríveis casos de loucura? Por que essas mortes ocorrem com terrível periodicidade?