sexta-feira, 30 de março de 2012

Alcoolismo e espiritualidade

Bill W, co-fundador da organização AA- Alcólicos Anônimos, enviou uma carta a Jung mencionando que "uma conversa de Jung  com um de seus pacientes, o Sr. Rowland H., no início dos anos 1930, teve um papel fundamental na fundação da nossa Sociedade.”
Jung considerava que a luta de um alcoólatra contra a sua dependência era na verdade uma luta contra o espírito. Ele chamou a atenção para o fato de que álcool em latim é "spiritus" a mesma palavra para a mais alta experiência religiosa, bem como para o veneno mais depravador. A fórmula útil, portanto, é: spiritus contra spiritum. Jung também disse que o desejo para o álcool do dependente é equivalente, em um nível baixo, a sede espiritual de nosso ser pela totalidade, expressa em linguagem medieval como a união com Deus."
Spiritus contra spiritum. Esta é a base da filosofia do AA. Os doze passos para arecuperação exige que a busca do dependente pela cura passe por acreditar em um Poder superior que poderia lhe devolver à sanidade. Em outras palavras, temos que encontrar Deus.
Mas como poderíamos chegar perto de Deus? São Paulo na estrada de Damasco teve sua revelação, seu encontro com Deus. Bill W. também teve sua experiência pessoal, narrada no livro Alcoólicos Anônimos. No entanto, uma experiência avassaladora não é para todos, mas acontece frequentemente quando a pessoa passa por um período dramático em sua vida. É comum em episódios de quase morte, e a pessoa afetada geralmente passa a levar uma vida mais equilibrada e mais feliz. No entanto, para a maioria das pessoas a consciência de um poder superior acontece gradualmente, e precisa ser cultivada como uma tenra planta.
Como? Meditação, reza, conversas com seu Self atravéz de Imaginação Ativa, um método junguiano que já discutimos neste blog. http://aacademiadoconhecimento.blogspot.com.br/2011/11/voce-gostaria-de-conversar-com-seus.html
Roberto Lima Netto

quarta-feira, 28 de março de 2012

O mal no cristianismo e na psicologia junguiana

Jung discordava da teoria cristã que afirma ser Deus exclusivamente bom, e que todo o mal do mundo é causado pelos seres humanos. Yahweh, no Primeiro Testamento (nova denominação que está sendo atribuída ao Velho Testamento, para evitar a conotação de ultrapassado que a palavra velho carrega) era um Deus completo, englobava o bem e o mal. Não podemos nos esquecer de algumas passagens na Bíblia em que Yahweh mandava matar todos os inimigos: homens mulheres e crianças. O livro de Josué contém diversas histórias em que Yahweh ordena a morte de todos os habitantes de uma cidade conquistada.

Yahweh era mau? Não, ele era completo, estando acima do bem e do mal, o que para nós, seres humanos que vivemos na dualidade, é difícil de entender.

O demônio aparece apenas quatro vezes no Primeiro Testamento. Com o nascimento de Jesus, o Deus exclusivamente bom, o diabo aparece sessenta e seis vezes no Segundo Testamento, levando Clemente, um dos primeiros padres da Igreja, a afirmar que Deus dirige o mundo com Cristo na mão direita e Satanás na esquerda.

Qual a explicação psicológica para o mal? Jung mostrou que os seres humanos, que se julgam animais racionais, na verdade não o são inteiramente. O Ego, a parte consciente da mente, acha que é o soberano absoluto, mas isso não é verdade. Sob o domínio de uma forte emoção, o Ego perde o controle de nossas ações, e o ser humano passa a ser dirigido por um complexo do inconsciente.

Tudo se passa como se uma outra personalidade assumisse o controle do nosso corpo e de nossas ações. É como se abrigássemos em nossa mente diversas personalidades que, quando a pessoa está submetida a intensa emoção, podem assumir o comando da ações, colocando o Ego para escanteio. Quantas vezes você, sob o domínio de uma forte emoção, praticou atos de que se arrependeu posteriormente? Exemplos de casos de extrema violência em pequenos acidentes de transito são relatados frequentemente nos jornais.

Sybil, livro escrito por Flora Rheta Schreiber, relata a história real de uma moça com dezesseis personalidades ativas, algumas tendo conhecimento de outras, cada uma assumindo por períodos o controle da pessoa. É claro que este é um caso extremo, mas real.

Joseph Campbell, o maior mitólogo do século XX, um seguidor de Jung, usou uma frase lapidar para ilustrar esta situação: “Minha definição de demônio é um anjo que não foi reconhecido. Melhor dizendo, é um poder seu, para o qual você negou expressão e que você reprime. Então, como toda energia reprimida, ela começa a crescer e a tornar-se muito perigosa”.

Temos, alojados na parte inconsciente de nossa psique, complexos que, se não os reconhecermos, se não os tornarmos conscientes, podem fazer o mal mesmo que este não seja o desejo do Ego.

A única possibilidade de se eliminar o mal no mundo seria tornar cada vez mais consciente cada ser humano. Este é um processo longo, que passa por muitas gerações, muitos séculos.

Jung afirma que todo ganho de consciência de cada ser humano fica guardado no inconsciente coletivo para uso de futuras gerações. Será isso verdadeiro? Não estaria a humanidade involuindo? O materialismo exacerbado que aflige o mundo, a perda da religiosidade, a falência as igrejas, tudo isso não seria um sinal do Apocalipse?

Não creio; acho que a humanidade está melhorando. Muitos discordam, acham que a humanidade já foi melhor nos velhos tempos. Há, há, há, os velhos tempos! Não podemos nos esquecer que no século V AC, era de ouro da Grécia antiga, o homem tinha poder de vida ou morte sobre seus escravos, que as mulheres eram consideradas seres inferiores por ninguém menos que o grande sábio Aristóteles, que os bebês do sexo feminino eram frequentemente abandonadas na rua para morrer ou serem adotadas por casas de prostituição. Também não esqueçamos que os romanos crucificavam milhares de inimigos e os expunham nas estradas para amedrontar os opositores. Velhos tempos.

É verdade que no século XX tivemos um Hitler, um Stalin e um Mao Tse Tung, mas a humanidade está melhorando, sim. O problema é que dá dois passos para frente e um para trás, e cada passo desses é gigantesco, dura muito mais do que uma vida humana. Isso pode nos dar a impressão de involução.

Então, como ajudar a evolução da humanidade? Segundo Jung, o melhor que cada um de nós pode fazer seria crescer em consciência, avançar na jornada de individuação.

Você concorda? Você gostaria de colocar sua opinião neste blog? Seja bem vindo para postar seu comentário.

Roberto Lima Netto

quarta-feira, 21 de março de 2012

Podemos viver uma vida espiritual sem filiação à uma igreja?

 O homem do século XXI se afasta, cada vez mais da vida espiritual. A Igreja Católica se desgastou com o tempo, outras religiões cristãs também. O ser humano está, cada vez mais, migrando para a adoração de um novo deus: o dinheiro.
Alguns que não foram atacados por essa doença moderna fogem para as religiões orientais: Budismo, Hinduísmo, etc. Outros se resignam a uma religiosidade formal, indo aos cultos e missas, iludindo-se de que isso lhe basta. Vivem tentando não pensar na vida, tentando não descobrir que sua vida está vazia.
Jung relata em suas memórias sua visita aos índios Pueblos. Eles veneravam o Deus Sol, e não entendiam a razão do homem branco querer interferir com sua religião. Estavam convencidos de que, se não rezassem para o sol, ele pararia de se levantar, e a humanidade pereceria. Eles tinham um objetivo de vida bem claro: salvar a humanidade.
O objetivo de muitos seres humanos modernos – ganhar mais dinheiro, comprar um novo carro, comprar uma casa, uma casa de campo. – chega a ser ridículo quando comparado ao dos índios Pueblo. Mesmo que você não acredite que eles estão salvando a terra, eles acreditam, e é isso o que importa para dar sentido às suas vidas.
O ser humano moderno, sem acreditar nas igrejas, enche sua vida com a busca pela riqueza, ou  com a luta por uma causa. Se a causa seja nobre, ela deve continuar,  mas não pode substituir sua vida espiritual.
Saint-Exupery no seu famoso livro, “O Pequeno Príncipe”, relata a história do acendedor de lampiões, que passava a vida acendendo e apagando lampiões, do astrônomo que queria ser dono de mais e mais estrelas, e passava o dia catalogando-as, do rei de um asteróide que não tinha súditos. Todos eles enchiam seu tempo para não pensar na vida. Quantos seres humanos adotam essa prática – ganhar mais e mais dinheiro – esperando que não lhe sobre tempo para pensar na vida. Se isso acontecesse, entrariam em depressão.
Jung dizia que não conhecia qualquer pessoa vivendo uma crise psicológica na segunda metade de vida que conseguisse resolver seu problema sem atenção ao seu lado espiritual, sem viver uma vida simbólica.
O ser humano pode e deve cultivar a vida do espírito, independente de denominações religiosas e de cultos. Você não precisa ser monge, entrar para um convento, deixar seu trabalho e seus negócios. Aliás, mesmo os monges levam uma vida material ativa, plantado, cozinhando, realizando tarefas mundanas, mas se dedicando também às rezas e meditações.
Como viver uma vida espiritual, uma vida simbólica? Jung aconselhou à alguns clientes voltarem a praticar uma religião institucional, mas essa receita não serve para todos. O descrédito nas igrejas é muito difícil de ser revertido.
O ser humano tem necessidade de manter uma vida espiritual, de cultivar uma vida simbólica. Como? Atenção para com sonhos, prática de imaginação ativa, meditação; tudo isso faz parte da vida simbólica. Rezar também é uma boa receita, uma forma de meditação.
Roberto Lima Netto
Autor do livro “O Pequeno Príncipe para Gente Grande”, Ed. BestSeler, 4ª. Edição.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Jung: "Eu não acredito em Deus, eu sei."

Tive uma conversa muito interessante com meu amigo John. Estávamos discutindo a enigmática resposta dada por Jung à BBC no programa “Face to Face.” Como interpretá-la?
John me disse: “Jung tinha pai e vários tios pastores, mas nunca conseguiu, aceitar a religião dogmática de sua família. Ele via seu pai sofrendo, querendo ter fé a qualquer custo, mas sem conseguir seu intento, já que fé é uma dádiva de Deus.”
“Fé não se adquire em supermercado.” Eu comentei.
O fato é que Jung, como toda criança, recebia visões. Porém, ao contrário de outros, que tendiam a perder contato com essas visões, continuou dando atenção a elas durante sua vida adulta.
“Isso não é tão incomum,” disse John, “a Bíblia relata diversas visões de profetas. Porém, a sociedade contemporânea, com seu materialismo exacerbado, não aceita que isso possa acontecer. Visões são tidsas como coisa de maluco.
“Era esse o medo de Jung: ser considerado doido?”
“Quando garoto, sim. Jung, sem entender à época o que acontecia com ele, não tinha liberdade para buscar esclarecimentos com seu pai, ou com qualquer outra pessoa, e guardava para si suas visões. Ele relata seu drama em sua autobiografia: “Memórias, sonhos, reflexões,” em que menciona sua convicção de ter duas pessoas vivendo dentro de sua mente, que chamou, à época, de personalidades um e dois. Uma convivia com o mundo material, que as pessoas consideravam ser o único mundo real. A outra recebia visões e sonhos. Muito mais tarde, Jung reconheceu que essas visões e sonhos eram comunicações recebidas do inconsciente, e que deveriam ser valorizadas para que o ser humano pudesse ter uma boa saúde mental.”
Enquanto eu refletia sobre o que John dissera, um sabiá-laranjeira pousado em uma árvore em frente à janela e começou a cantar. ‘Fizemos uma pausa para curtir a melodia.
Depois de alguns minutos John retomou a conversa: “Jung se recusava a acreditar na dogmática religião Judaico-Cristã, que tanto fizera sofrer seu pai. Ele sentia que o ser humano devia buscar um contato direto com o divino. Este contato poderia ocorrer por experiências súbitas – São Paulo na estrada de Damasco, Moises e a sarça ardente – ou por um trabalho persistente e consciente de dar atenção às mensagens que nosso inconsciente nos envia – sonhos e visões – em um processo lento de crescimento, de conscientização, culminando em um estágio avançado que Jung chamou de individuação.”
Segundo Jung, o objetivo da vida humana é trilhar a jornada de individuação, Sua psicologia, que ele chamou de Psicologia Analítica para diferenciá-la da Psicanálise Freudiana, tem como objetivo orientar a pessoa em seu processo de individuação.
John continuou: “O primeiro passo desse processo é o reconhecer que o mundo material não é o único mundo real. Pelo contrário, sendo o objetivo da vida humana a busca de uma maior consciência, o mundo interior seria até mais importante. É através dela que nós conversamos com Deus.”
O fato é que Jung sempre tentou evitar um confronto com as religiões estabelecidas. Pelo contrário, seu objetivo era influenciar a Igreja Católica a se abrir para o inconsciente, Ele dizia que não era teólogo, mas simplesmente um psicólogo empírico, que tentava interpretar as imagens geradas na sua psique e na de seus pacientes e amigos. Achava que o Cristianismo poderia evitar o desgaste que suas poderosas imagens sofreram por dois mil anos, e se tornar um caminho muito mais aberto, livre de alguns dogmas.
John disse: “É compreensível que o Cristianismo, nos primeiros séculos, quando buscava ainda se firmar como uma religião de massas, definisse dogmas e perseguisse quem contra eles se rebelasse. Os Gnósticos, que pregavam um contato direto com Deus, deviam ser combatidos. A Igreja precisava do monopólio do diálogo com Deus para se firmar.”
Vale lembrar que um dos pontos que colocou Jung em confronto direto com a Igreja Romana foi o conceito do bem. A idéia de que todo bem está em Deus, e que todo o mal do mundo vem do homem, não era aceita por Jung. O Yahweh do Velho Testamento não era somente bom, mas completo. Como tal, era temido por seus seguidores. Não podemos nos esquecer de passagens da Bíblia em que Yahweh mandava matar homens, mulheres e crianças dos povos inimigos. Com o advento de Cristo, o Deus exclusivamente bom, o mal foi projetado no ser humano. Satã aparece quatro vezes no Velho testamento e sessenta e seis no Novo. Na dualidade, característica de nossa vida terrena, não pode existir o bem sem o mal.
“Nós começamos nossa conversa com a resposta de Jung na entrevista da BBC,” disse eu. “Divagamos por outros assuntos, mas não chegamos a ela.”
John não se fez de rogado: “Na minha opinião, Jung queria dizer que, tendo convivido intensamente com as imagens que recebia de seu inconsciente, tendo aprendido com elas, tendo percorrido sua jornada de individuação, ele não precisava apenas acreditar; ele conhecia Deus.
Roberto Lima Netto - Autor de “The Little Prince for Grownups”
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