O teatro como arte tem suas origens
na Grécia, manifestando-se nos gênios de Ésquilo, Sófocles e Eurípedes.
Anteriormente à Grécia naturalmente havia o teatro, mas um teatro apenas
litúrgico, como no Egito e China, quando o drama encenado tinha finalidade
ritualística e religiosa, na qual as ações representariam manifestações do
sagrado ocorridas in illo tempore.
A tragédia grega, como é sabido, foi
definida por Aristóteles, que a diferenciou da epopéia tradicional, em sua Poética. Aristóteles elaborou dois conceitos
fundamentais para a compreensão do que seja teatro, a qüestão da Kátharsis e da Mýmesis.
Mýmesis, imitação, foi conceito trabalhado por
Platão, mas dentro de seu referencial da dialética entre aparência e essência.
Assim, o artista não criaria, mas recriaria a partir das matrizes perfeitas do
mundo das idéias. O teatro, vivendo nos domínios da imitação, afasta o espírito
da verdade, sendo, portanto, essencialmente imoral.
Para Aristóteles a mimética da arte
trágica é forma adequada de elaborar a tragicidade do mito, trazendo-a, pela imitação, para mais próximo da realidade
humana. A tragédia, embora plasmada nos mitos eternos, possibilita a identificação
do espectador com o personagem, pelo
fenômeno da kátharsis.
O que é a kátharsis ou catarse?
Termo originário da medicina antiga, significa purificação. O teatro através
dos fenômenos da catarse e da mímesis,
desperta emoções primitivas do inconsciente coletivo de forma mais ou
menos consciente, operando uma transformação da consciência, levando à
reflexão.
O ator da tragédia, personagem do
drama arquetípico encenado, tem analogia com a figura do herói. Isto porque o
homem, enquanto ánthropos, está
sujeito à lei apolínea do métron, a
medida de cada um, que nunca pode ser ultrapassada.
O homem, enquanto simples mortal,
não pode ultrapassar sua própria medida, e quando o faz, sob a égide de
Dioniso, deus do teatro, do êxtase e do entusiasmo, torna-se um Anér, um herói trágico, pois segundo a
tradição, é o destino do herói o excesso, o pecado do orgulho, hýbris, provocando o castigo divino, némesis, que leva à Áte, cegueira da razão, e à punição final pela Moira, destino. Este é o roteiro arquetípico do Anér que ultrapassa
sempre sua medida e à ela é reconduzido pela Moira.
O herói trágico expressa a maneira
de proceder do ator, pois este deverá agir e responder "em êxtase e
entusiasmo", sob a influência dionisíaca, pois ele, como ator, não é ele
próprio, mas outro; daí a palavra grega para ator ser hipokrités, "aquele que age, atua e responde em êxtase e
entusiasmo". O fundamento arquetípico da tragédia
é a recondução do Ator, o hipokrités, "aquele que age em êxtase e entusiasmo", portanto sob a influência de
Dioniso, à sua própria medida humana enquanto ánthropos.
A catarse, identificação emocional
entre assistente e personagem, com grande liberação de emoção tem origem na
medicina, como já mencionado. Ela reaparece nas modernas formulações da psicanálise.
Freud e Breuer denominaram o método
que acabavam de inaugurar em fins do século passado de "método
catártico", pois o paciente falando ao médico de vivências desagradáveis e
reprimidas, vivenciaria uma catarse purificatória, pela abreação; isto é, a expressão
e conscientização de conteúdos fortemente carregados de afeto. A catarse seria
uma forma de integração destes conteúdos reprimidos.
Também no teatro trágico, expressão
mimética de conteúdos mitológicos arquetípicos, a catarse favorece a abreação e
tem portanto aspectos terapêuticos. Não é por acaso que as modernas técnicas de
tratamento com psicóticos inclui o teatro terapêutico, vivenciado em comunidade
hospitalar, e em psicoterapia o psicodrama tem
um espaço significativo.
O aspecto terapêutico do teatro é,
naturalmente, apenas pequena parcela do significado social e cultural, como
agente transformador de indivíduos e da cultura. Porta-voz de símbolos
culturais fundamentais, o teatro é agente essencial na conscientização dos
indivíduos e no questionamento social. Isto devido ao processo mimético pelo
qual o drama arquetípico e ritualizado ao nível das realidades essenciais do
ser humano.
O ator vivencia no teatro diversos
personagens que falam através de sua persona teatral. A dissociabilidade da
psique é expressa em grau máximo. Também o sonho é expressão da
dissociabilidade da psique, no qual os vários complexos autônomos aparecem como
personagens do drama interno, de nosso teatro interior, na verdade, o sonho é
um verdadeiro Théatron, em sentido
grego, “lugar onde se vê”. Os conteúdos autônomos aparecem como personagens,
verdadeiros símbolos, ocultos por suas máscaras, ou Gr. Prósopon, (“aquilo que
vem antes”) lat. Persona (personare, soar através de).
A oposição de Platão ao teatro é
curiosa, pois sua forma de escrever é o diálogo,
é a de múltiplas personagens, uma reflexão filosófica dentro de uma polifonia de personagens históricos ou imaginários que contituem seu teatro interior. Lembramos
nesse contexto seu mais famoso diálogo, O
Banquete, um verdadeiro circumambulatio
(andar
em torno) do símbolo amor, uma peça teatral no qual diversos personagens
expressam diferentes perspectivas sobre o místério de Eros.
Walter Boechat
Analista Junguiano, Escritor.
Autor de Mitopoese da Psique, Ed. Vozes, 2a ed.
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